"SOU UM LABIRINTO EM BUSCA DE SAÍDA." (Vinícius de Moraes)







quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A PRAGA DE GAIA (WANBLI GLESHKA)


Que somos a praga e o câncer do planeta vida, parece não restarem dúvidas. O desafio posto talvez seja: haverá ainda alguma salvação para a vida de Gaia? James Lovelock lançou a célebre hipótese da interconectividade de todos os sistemas naturais terrestres batizando a Terra de Gaia, em alusão à divindade da mitologia grega que representava nosso planeta. A Terra é um organismo vivo vaticinou o renomado cientista. No momento em que começamos a perceber essa interligação entre todas as coisas, como defendida por Lovelock, vários outros cientistas e pensadores e como acreditavam os povos nativos americanos, assistimos à extinção em massa de inúmeras espécies vivas, e degradação de ecossistemas inteiros pela atual civilização tecnológica e científica. A vida agoniza confirmando a profecia do antigo líder nativo de Seattle: "É o fim da vida e o início da sobrevivência". Sem querer parecer cético ou catastrófico, nesses tempos irônicos de créditos de carbono e pegadas ecológicas admito que a praga de Gaia somos nós mesmos - a atual civilização humana. O próprio Lovelock nos alerta para essa situação que estamos vivenciando.

A aproximadamente 12 mil anos o gênero humano inventou a agricultura e posteriormente a adotou como principal modo de vida, alavancando com apoio da técnica e da cultura simbólica o surgimento das cidades e das civilizações. A religião edificou e legitimou a estruturação e a manutenção do poder político estabelecendo organizações sociais hierárquicas, bélicas e expansionistas. A mercantilização expandiu as fronteiras das nações imperialistas e estendeu seus terríveis tentáculos sufocantes por toda Terra anexando espaços, saqueando tudo e triturando vidas impiedosamente.

Um estreito pensamento compartimentalizador da realidade escraviza a existência e o mundo vivo numa "cela" mecânica que institui a ciência e o escuro tempo do "penso, logo existo". Floresce o império das máquinas vorazes que varrem toda a Terra, submetendo tudo a sua insana lógica "iluminada", progressista, totalitária e cem por cento (in)racional.

O cenário resultante desse verdadeiro desastre existencial é no mínimo desolador. Todas as instituições sociais estão em crise, conflitos explodem vidas por toda parte, a desigualdade social amplia seus horizontes, e o mito do ilimitado crescimento econômico cai por terra desafiado por polêmicas propostas de decrescimento econômico. O equilíbrio sagrado do mundo natural é profanado, envenenado e corroído dando lugar a estruturas metálicas e de concreto que se proliferam exponencialmente, apagando as paisagens terrestres e celestes. Avatares e robôs que só se via nas abstrações ficcionais já se preparam para entrarem na cena contemporânea, esfriando a essência humana.

Uma trajetória marcante, trágica e desastrada de uma civilização que ainda se arvora numa defasada, narcísica e nociva cosmovisão antropocêntrica. Enfim nos tornamos a "Praga de Gaia". Uma praga potente, voraz, descontrolada e fatal para a vida na Terra.

A questão posta agora é como nos posicionar diante dessa insustentável realidade mantida pelo atual status quo, através das definições políticas e determinações econômicas. Fala-se hoje em sustentabilidade, políticas e práticas verdes, ecologia política, pegada ecológica, energias limpas, baixa emissão de carbono e tantos outros conceitos consagradas pelos novos arautos da civilização contemporânea. O que me surpreende é que apesar de todos os erros e prejuízos irreparáveis à vida, ao homem, e ao planeta, essas vozes dos novos tempos parecem querer nos induzir à crença absurda de que poderemos evitar o colapso da atual civilização adotando algumas medidas verdes e negociando a destruição da vida intercambiando novas e ridículas moedas, tais quais os créditos de carbono.

Não que eu esteja sendo pessimista diante das novas propostas sustentáveis, mas quero apenas acionar um alerta que considero relevante para uma verdade que não podemos esconder atrás de todas essas coisas: É necessário transformar, mudar, mutacionar toda a lógica e organização social contemporânea se quisermos de fato contribuir para a minimização desse impacto fulminante do homem sobre a vida. A atual civilização enveredou por grandes equívocos na sua caminhada. Entre estes estão a adoção em massa da agricultura, o uso político da religião, a edificação de cidades, o expansionismo, o mercantilismo, a razão fragmentada e embotada pelo domínio, entre tantos outros deslizes fatais já referidos. É preciso acordar para o fato de que torna-se urgente nesse momento uma reforma no pensamento, na alma, nas ações e produções do animal homem. Um pensamento aberto, abrangente, sistêmico, ecológico e integrado e integrador que possa acolher humildemente o bom e a essência de todas as culturas, uma nova forma de convivência, uma nova organização social, uma nova forma de ser e estar no mundo. Assumindo essa posição, acredito que o resgate da sabedoria ancestral dos povos nativos americanos tem muito a nos ensinar sobre como poderemos aprender um novo pensamento, uma nova epistemologia, uma nova cosmovisão, que engendre uma nova civilização. Pacífica, espiritualista, equilibrada e amorosa. Acredito que essa nova civilização já está nascendo pelas mãos, vozes, sentimentos puros e consciências de todos aqueles que se dispõem a unir vibrações e esforços para que isso de fato aconteça.

Podemos afirmar sem quaisquer receios que se admitimos que a nossa civilização atual é uma praga e um câncer para a vida, nós não queremos ser e nem fazer parte desse projeto falido de civilização. Portanto conclamo a todos para reforçarem, intensificarem e unirem todos os esforços para que possamos inaugurar um novo ciclo para a vida na Terra, promovendo vibrações e ações transcendentes, puras, integradoras, pacíficas, belas e equilibradas.

O poeta alemão Friedrich Hölderlin nos deixou essa pérola: “Ora, onde mora o perigo. É lá que também cresce o que salva... Poeticamente, o homem habita esta terra.”. Heidegger a comentou assim “Pensemos esta palavra de Hölderlin com todo o cuidado: o que significa ‘salvar’? Geralmente, achamos que significa apenas retirar, a tempo, da destruição o que se acha ameaçado em continuar a ser o que vinha sendo. Ora, ‘salvar’ diz muito mais. ‘Salvar’ diz: chegar à essência, a fim de fazê-la aparecer em seu próprio brilho." Deixemos então cintilar nos novos céus a nossa essência que Salva, que Cura, que Regenera e que Vive em Paz! Salvemos então a vida, o homem, a essência de uma nova civilização!

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